DNA: Cientistas olham o passado para desvendar os mistérios da esquizofrenia

  • Entre linhas
  • Publicado em 5 de fevereiro de 2020 às 14:45
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 20:20
compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin

Estudo revela novos dados genéticos sobre o transtorno e pode contribuir para tratamentos mais eficazes

Uma análise genética feita em uma população ancestral sul-africana, os Xhosa, revelou detalhes importantes relacionados às origens da esquizofrenia. 

A pesquisa, publicada na revista especializada Science, identificou uma série de mutações no DNA, mais frequentes em indivíduos que apresentavam a doença. 

Segundo os autores do estudo, os resultados do trabalho podem ajudar na compreensão do distúrbio mental em todas as populações humanas. Além disso, também sugerem mecanismos com potencial para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes.

Os pesquisadores explicam no estudo que a população Xhosa foi escolhida como alvo de análise por ser o continente africano o berço de todos os seres humanos. 

“Quase 99% da evolução humana ocorreu na África, depois que os primeiros seres humanos modernos se originaram e antes da migração para a Europa e Ásia”, frisam os autores no estudo, que foi liderado por Mary-Claire King, pesquisadora da Universidade de Washington, nos Estados Unidos.

Os especialistas também destacam que, poucas vezes, as populações africanas ancestrais foram o foco de pesquisas genéticas. 

“Devido à falta de estudos na África, muitos dados sobre a história genética humana estão faltando em nossa compreensão da adaptação humana e das doenças que hoje apresentamos”, observaram os cientistas. 

Os Xhosa, grupo escolhido para a análise genética, possuem uma história evolutiva simultânea à do povo Bantu, que habitou a região da África Oriental à África Austral por séculos.

Antes da chegada desse grupo, a região era ocupada exclusivamente pelo povo San, outros humanos modernos que viveram há, pelo menos, 100 mil anos.

De acordo com os autores do estudo, as evidências indicam que o povo Xhosa é resultado da mistura dos bantus com a população San. “Atualmente, os Xhosa vivem em toda a África do Sul e são o maior grupo populacional da região do Cabo Oriental”, explicam.

Os especialistas analisaram todas as sequências de DNA de mais de 1,8 mil indivíduos Xhosa, dos quais aproximadamente a metade foi diagnosticada com o transtorno psiquiátrico.

“A esquizofrenia é, geneticamente, altamente heterogênea, envolvendo grave mutações ultrarraras em genes que são críticos para a plasticidade sináptica”, observam os cientistas nas conclusões do trabalho.

Por meio do levantamento genético do grupo africano, os pesquisadores descobriram que os indivíduos Xhosa com o distúrbio mental têm uma probabilidade significativamente maior de sofrer mutações genéticas raras e prejudiciais em comparação com aqueles que não apresentam o transtorno psiquiátrico grave.

A equipe de pesquisa também constatou que muitos dos genes interrompidos pelas raras mutações prejudiciais desses pacientes estão envolvidos na organização e função das sinapses cerebrais. 

Elas coordenam a comunicação entre os neurônios e são responsáveis pelo aprendizado, pela memória e pela função cerebral. 

Segundo os autores do estudo, os genes identificados no estudo ajudam na compreensão do distúrbio e podem contribuir para o desenvolvimento de terapias mais eficientes. “

A esquizofrenia afeta aproximadamente 1% das pessoas em todas as partes do globo e é uma das principais causas de incapacidade no mundo. Os genes e caminhos identificados por essa pesquisa ajudam na compreensão da esquizofrenia para todas as populações humanas e sugerem mecanismos potenciais para a criação de tratamentos mais eficazes”, argumentam os cientistas.

Auxílio

Para o psiquiatra Thiago Blanco, o estudo internacional é interessante, principalmente, porque compreende um grupo populacional geralmente pouco considerado nas grandes pesquisas científicas, uma vez que, assinala, a maior parte do financiamento está nos países mais ricos e, portanto, esses são os principais alvos. 

“Nesse caso, a adoção de amostra sul-africana, geneticamente heterogênea, permite maior poder de generalização dos resultados para populações muito miscigenadas, como de tantos países latinos, incluindo a população brasileira, por exemplo”, frisou o especialista, professor da faculdade de medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde, em Brasília.

Blanco também acredita que os dados observados na pesquisa podem contribuir para a área de tratamento futuramente.

“Quando estamos diante de novidades, sempre nos perguntamos qual a aplicabilidade para a vida real, cotidiana, das pessoas. Nesse caso, o reforço do conhecimento de que essa é uma doença com grande determinância genética e de fisiopatologia ligada à capacidade dos neurônios em produzirem sinapses e conexões entre si, estimula o engajamento de pesquisadores para novas formas de tratá-la”, enfatiza o psiquiatra.

De acordo com o especialista, assim como outras doenças mentais, o transtorno merece total atenção dos cientistas, uma vez que ainda não é completamente compreendida.

“A esquizofrenia é uma doença crônica, grave, progressiva, neurodegenerativa e incapacitante. Será sempre importante conhecer mais a doença para elaborar estratégias de prevenção, atenuação das manifestações, quando não evitáveis, e quiçá a cura. Portanto, sim, apesar de ser uma doença com enorme volume de publicações, ela deve continuar sendo estudada, pois, apesar de muito se conhecer sobre esquizofrenia, há ainda mais a saber”, opina Blanco.

*Correio Braziliense


+ Ciência