​Dia 7 de janeiro foi o Dia do Leitor

  • Língua Portuguesa
  • Publicado em 12 de janeiro de 2018 às 16:32
  • Modificado em 8 de abril de 2021 às 14:20
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Machado de Assis escreveu uma das obras mais emblemáticas da literatura brasileira: Dom Casmurro. As listagens oficiais dos vestibulares têm verdadeira obsessão por ela, no entanto, para o aluno, é uma tortura, falta-lhe vivência, experiência linguística e capacidade de mergulhar no universo do texto, por isso fica na pia rasa do mutismo (entenda-se também como o medo de “pagar mico”) e da criticidade: Capitu traiu ou não Bentinho? Seria essa a tábua rasa usada por Machado para navegar?

Aluísio de Azevedo escreveu O Cortiço para ganhar dinheiro, pagar os estudos, formar-se diplomata e jamais voltar a segurar a pena de escritor. Para atingir o seu intento, escancarou o animalesco do ser humano, abusou da sexualidade desaforada dos personagens. Acabou por redigir um verdadeiro tratado sociológico sobre as transformações por que passava o Brasil do final do século XIX. Sua Teoria do Mal dos Trópicos não escondeu seu preconceito contra a maneira brasileira de ser e viver.

Lima Barreto desancou com o preconceito contra os negros em Clara dos anjos e a pseudointelectualidade rastaquera que habitava esse país em Triste fim de Policarpo Quaresma. De quebra, desnudou a corrupção que nos corrompia há séculos. Policarpo tentou absurdamente emplacar o tupi-guarani como língua nacional, para ser entendido. Ridicularizado, tanto quanto seu criador, continuou incompreendido. Sua história frequentou o celuloide, a tevê e as revistinhas em quadrinhos, mesmo assim conviveu com o anonimato.

Como eles, Monteiro Lobato, Graciliano Ramos e até Guimarães Rosa, com seu linguajar peculiar, foram parar nas minisséries da tevê Globo, filmes da Ancine, revistinhas coloridinhas, resuminhos, listagens de vestibulares conceituadíssimos. Autores moderninhos se deram trabalho de adaptá-los para o português atual à caça de novos leitores. Deu no que deu: em nada. As pessoas não adquiriram o hábito na infância e hoje há coisas mais importantes, como tirar selfies. Para que memória, se inventaram o Google que sabe que quase ninguém leu 1984 de George Orwell e acha que Big Brother não passa de um programa que incentiva a idiotia diária.

Kéfera e Paulo Coelho vendem mais livros que banana em fim de feira. Muito legal. Muito bom. Mas, será que nossa literatura ficará nas mãos deles ou da famigerada autoajuda? Agora temos um tipo de literatura perigosa: jovens imberbes, travestidos de escritores, vão para a internet “soltar o verbo” expondo sua intimidade, o desdém recalcado pelos relacionamentos amorosos em crise, seus ideais guardados a sete chaves e a frustração de talvez nunca realizá-los. Convidam os “frustrados por estarem excluídos de padrões estéticos ou comportamentais” (todo mundo está, o capitalismo é camaleônico, joga com padrões inalcançáveis), para definharem deixando de comer ou radicalizarem, morrerem criando modismos para o velho (poetas do Romantismo no século XIX cansaram de fazer isso). Quem sabe, capturem uma baleia azul ou até virem série da Netiflix.

Ah! Há as fadinhas. E como! Poderíamos falar de um novo gênero literário, o das fadinhas adolescentes. Dá uma grana. Muita gente descobriu. Kéfera descobriu primeiro. Há gente construindo grandes obras? Há. Mas, pouquíssimos os leem. Pense e responda rápido: Você seria capaz de citar cinco grandes autores “atuais”? Quantos leem Cristóvão Tezza, Milton Hatoum, Raduan Nassar, Sérgio Santana? Quem os conhece? Mediei os debates de vários deles na Feira do Livro de Ribeirão Preto com salas semicheias, apenas porque despertaram a curiosidade de alguns. E só.

Os sebos estão ganhando a mesma aura sofisticada da qual agora gozam as lojas de vendas de discos de vinil. Vende-se muito e-book neste país. A Amazon deita e rola: 90% são de autores de lacrimosos best-sellers americanos. Os estúdios americanos também. Ah! Os vendedores de lenço também. Melhor que tudo isso é ler algo imediatíssimo no Watsapp e no Facebook ou futilidades em um portal. Selecionei os cinco assuntos mais lidos no UOL na semana (12/01): 1. Paredão eterno! 7 ex-BBBs que a Globo prefere esquecer; 2. ‘Tem que pegar o meu patrimônio. Esquece meus filhos’, diz Bolsonaro; 3. Conheça dez famosos da TV brasileira que não se entendem quando estão por trás das câmeras; 4. Atriz Paolla de Oliveira fala sobre assédio e diz que, aos 35 anos, não liga para rótulos; 5. Para fechar grupo, Palmeiras quer emprestar 2 e espera Scarpa e Goulart.

Como estamos no mundo da imagem, dos amigos virtuais que pulam na nossa cara com seus sorrisos engessados na velocidade de um “clic”, ler um livro é “um saco”, não é? Há muito que fazer em pouco tempo na tela de um smartphone. As imagens dadas e não imaginadas carimbam mais fortemente a alma. Tudo pronto, sem forço. Preguiçosamente sem pensar, não precisa interpretar.

Falar em público, sem repertório é uma “praga”. E escrever, então, virou um tormento. A redação é a prova que mais elimina alunos no vestibular. E não é de hoje. Desde 1978, essa “praga” atormenta os candidatos a uma vaga na universidade. Uma doença tão forte que muitos milagreiros criaram remédios mágicos para curá-la. O ENEM não me deixa mentir. Viva o Dia do Leitor.


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