Decisão de Toffoli pode comprometer operação de fraudes em Prefeituras

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 25 de julho de 2019 às 14:10
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:41
compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin

Investigação apontou R$ 2 bilhões em saques suspeitos, feitos em espécie no caixa em muitas prefeituras

Q​uando decidiu, solitariamente, suspender todos os processos e inquéritos que utilizam dados bancários compartilhados sem autorização da Justiça, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, dificilmente fazia ideia da dimensão da própria decisão. 

Da burocracia de uma Suprema Corte em recesso saiu a determinação, por parte de seu presidente plantonista, para que as investigações fossem paralisadas, em especial a que atinge o filho zero um do presidente da República, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ)

Um RIF sistematiza informações a partir dos dados que chegam ao Coaf, um órgão que funciona há 21 anos, por força da lei de combate à lavagem de dinheiro, vigente desde 1998. 

Bancos e outras instituições financeiras são obrigados a comunicar operações que considerem suspeitas e também saques ou depósitos superiores a R$ 50 mil. 

Neste último caso, a presença de outros elementos pode apontar para a ocorrência de lavagem de dinheiro.

Foi um desses RIFs, encaminhado ao Ministério Público no Rio de Janeiro, que detalhou as movimentações de Queiroz. 

E foram 299 RIFs, de um total de 436 analisados, que apontaram saques em espécie em prefeituras com indícios de irregularidades, o que motivou a abertura de procedimentos de investigação pelo MPF e de inquéritos pela PF.

Os RIFs são um ponto de partida que permite a procuradores da República e a delegados da PF darem início a uma investigação, com a solicitação de novas diligências, como o depoimento de uma pessoa que fez um saque suspeito ou a quebra de sigilo bancário solicitada à Justiça. 

Toffoli interpretou que processos e inquéritos só podem utilizar RIFs que informem “montantes globais”, sem pormenorizar os dados de uma eventual movimentação bancária suspeita. 

Ocorre que um relatório do Coaf segue regras claras definidas em lei e recomendações internacionais, emitidas pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF), uma entidade internacional criada há 30 anos por países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da qual o Brasil faz parte.

Se a decisão de Toffoli já vigorasse nos últimos anos, não teria sido possível descobrir o caso do ex-motorista Queiroz, tampouco saber o que centenas de prefeituras estavam fazendo com dinheiro público repassado pela União. 

Ao recorrer contra a decisão do presidente do STF, no último dia 23, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, elencou outros casos em que o detalhamento dos relatórios de inteligência do Coaf foi decisivo para as investigações: a ação penal do mensalão petista; o primeiro caso da Lava Jato que resultou em condenação pelo STF, envolvendo o ex-deputado federal Nelson Meurer (PP-PR), condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro; o flagrante das malas de R$ 51 milhões de Geddel Vieira, ex-ministro de Michel Temer; a Lava Jato no Rio; as movimentações suspeitas do médium João de Deus, denunciado por estupros sucessivos. Em todos esses casos, havia um elemento comum: um RIF.

“O simples fato de alguém ser mencionado num RIF não induz, por si só, a instauração de uma investigação contra si. Apenas são adotadas medidas investigativas a partir de RIFs quando efetivamente há indícios robustos da prática de delitos”, escreveu Dodge no recurso contra a decisão de Toffoli.

Para ela, o modelo em vigor evita “investigações infundadas”, uma vez que deixam de existir pedidos de quebra de sigilo bancário de pessoas que não são suspeitas de crimes. 

A determinação do ministro do STF pode mudar esse cenário, segundo a procuradora-geral.


+ Justiça