Crise faz crescer diferença salarial entre pessoas que têm mais anos de estudo

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 11 de agosto de 2018 às 16:44
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:56
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Renda de quem tem ensino superior é, em média, 5,7 vezes maior de quem tem menos estudo

Ter um diploma de curso
superior não é garantia de emprego, mas coloca o trabalhador em vantagem
salarial cada vez maior.

Um trabalhador com ensino
superior completo recebe, em média, 5,7 vezes o rendimento de um brasileiro com
até um ano de estudo. O aumento dessa disparidade é mais um dos efeitos
perversos provocados pela crise econômica: os brasileiros que foram para a
escola por menos tempo têm sido os mais prejudicados pela piora no mercado de
trabalho.

Atualmente, um trabalhador com ensino superior completo
tem um rendimento médio de R$ 4.911,66, enquanto um brasileiro com até um ano
de estudo ganha R$ 859,81. A diferença entre os rendimentos dos dois grupos, de
471%, é maior do que foi no ano passado, de 443%. Mas já foi ainda pior: em
2012, os mais escolarizados ganhavam em média quase 500% mais que os que tinham
até 1 ano de estudo.

E não piorou só para quem tem pouco estudo: para os
brasileiros com ensino médio completo, o diferencial neste ano em relação a
quem tem o superior completo chegou a 169%. É a diferença mais elevada desde
2012.

A pesquisa

Os
dados constam em um estudo feito pelo pesquisador Sergio Firpo, professor do
Insper. Desde o fim dos anos 90 e, sobretudo ao longo do início dessa década, a
economia brasileira conseguiu diminuir a disparidade de salário entre os
diferentes níveis de escolaridade, o que foi fundamental para a redução da
desigualdade, por exemplo. “Em
algumas faixas de escolaridade estamos observando uma volta da diferença salarial
para o patamar observado em 2012”, afirma Firpo.

Os
números da pesquisa foram extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio (Pnad) e tiveram como base o rendimento mensal habitual do trabalho
principal de brasileiros com mais de 14 anos. “Há uma piora do quadro,
embora ela seja lenta. Mas é importante lembrar que esse diferencial já foi
maior, sobretudo nos anos 90 e no início dos anos 2000”, afirma Firpo.

Sem emprego, bico vira opção

Parte da piora pode ser
colocada na conta do crescimento da informalidade no mercado de trabalho, onde
a remuneração em geral é menor do que no mercado formal.

Caso de Daniele Feitosa da Silva, 30, demitida de uma
confecção têxtil há dois anos, que concluiu o ensino médio e tem enfrentado
dificuldade para se recolocar. Desde que foi dispensada, não conseguiu emprego
formal. A renda mensal de R$ 1,2 mil caiu para R$ 500 graças aos bicos que
consegue fazer em trabalhos de limpeza. Nas últimas semanas, passou a procurar
emprego como atendente e caixa de supermercado.

Com
três filhos, Daniele tem sido sustentada pelo marido, que trabalha como
tatuador, a com a renda da sogra. “Em casa, cortamos bastante coisa: o
passeio das crianças, o gasto com roupas e o supermercado. Já são dois anos
desempregada e sem muita perspectiva”, afirma.

Assim como Daniele, os
trabalhadores de baixa qualificação que não conseguem se recolocar no mercado
de trabalho têm optado pelo tradicional bico para reforçar a renda mensal.

Tatiane de Amorim, de 34 anos, está sem emprego desde
2017. O último trabalho foi como operadora de caixa. Com dois filhos, a renda
da casa está sendo garantida pelo marido, que trabalha como motorista de
ônibus. Para ajudar no orçamento doméstico, ela tem trabalhado como manicure.
“Mas muitas pessoas deixaram de procurar manicures para economizar. As
pessoas dão preferências para outros gastos”, diz Tatiane.

Na plataforma digital Bicos, que se propõe a fazer a
conexão entre os que precisam de trabalho e aqueles que procuram, a maior parte
do cadastro de quem procura pela renda extra é de mulheres de baixa
escolaridade. “A procura maior é por trabalhos que exigem pouca
qualificação, sem a necessidade de um curso específico. Há uma grande procura
por diaristas e garçons”, afirma a gerente de produtos de Bicos, Priscilla
Comitto.

Ocupação despenca para os menos
escolarizados

Com
a recessão e a lenta saída da crise econômica, os trabalhadores com menos
escolarização foram os mais prejudicados pelo fechamento de postos de trabalho.
No primeiro trimestre deste ano, a ocupação para os trabalhadores sem instrução
ou com menos de um ano de ensino recuou 19,9% na comparação com o mesmo período
de 2017.

Entre os brasileiros que
concluíram o ensino médio, a ocupação cresceu 2% neste ano e, para os
trabalhadores com ensino superior, o avanço foi de 5,3%. “Durante a crise
de 2015 e 2016, houve uma perda forte de vagas nas pessoas com menor
escolaridade. Elas acabaram sendo mais prejudicadas”, afirma a economista
e sócia da Tendências Consultoria Integrada, Alessandra Ribeiro.

Além de enfrentar um mercado
de trabalho mais restrito ou que cresce num ritmo mais fraco, os trabalhadores
menos escolarizados ainda viram a concorrência aumentar.

Nos últimos anos, os
brasileiros estão passando mais tempo na escola – em média, 9,1 anos – e,
portanto, hoje há mais trabalhadores com alguma qualificação melhor para um
mercado reduzido. “O ensino médio
se popularizou muito, então a oferta de pessoas com esse nível de escolaridade
tem mais concorrência para trabalho, enquanto a demanda diminuiu”, afirma
o diretor da FGV Social, Marcelo Neri.

Os dados da última Pnad sobre
educação revelaram, por exemplo, que a quantidade de brasileiros com mais de 25
anos e que concluiu ensino médio era de 26,3%. A fatia de brasileiros com
ensino superior é de 15,3%, enquanto a quantidade de brasileiros sem instrução
ou com menos de um ano de estudo ficou em 11,2%.


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