Consumidores encontram dificuldades para cancelar viagens apesar da pandemia

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  • Publicado em 14 de março de 2020 às 08:20
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 20:29
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empresas do setor de turismo têm se mostrado intransigentes em ressarcir o consumidor pelo valor pago

Cena comum no aeroporto de Guarulhos: viajantes com máscaras protetoras. Como isso não garante a integridade da saúde, desistências se avolumam (Foto: AFP / Nelson Almeida/Reprodução)

Diante da decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS) de elevar para pandemia a infecção por coronavírus, muitas pessoas estão refletindo um pouco mais antes de embarcar em um avião, com destino às cidades ou países onde há risco iminente à saúde. 

Com as autoridades sanitárias recomendando que a população evite a exposição, têm crescido os pedidos dos consumidores para o cancelamento ou adiamento de viagens.

Mas o que parece ser um processo simples, torna-se complicado: nenhum dos lados quer arcar com o prejuízo total de uma desistência e acumulam-se as reclamações de intransigência da parte das empresas do setor de turismo.

O Ministério Público Federal (MPF) chegou a recomendar à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) a adoção de um ato normativo que assegurasse aos consumidores a possibilidade de cancelamento, sem taxas, de passagens aéreas nacionais e internacionais para destinos atingidos pela Covid-19. 

Para o MPF, a exigência de tarifas e multas em situações como a atual, de emergência mundial em saúde, é prática abusiva e proibida pelo Código de Defesa do Consumidor –– entende ainda que passagens compradas até 9 de março, com partida de aeroportos do Brasil, teriam direito a ressarcimento ou a remarcação, num prazo de até 12 meses.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), porém, afirma que os passageiros estão sujeitos às regras das próprias companhias, com prazo de apenas sete dias para o chamado “direito ao arrependimento”, tendo em vista que, até o momento, não há indicação para restrições ao tráfego internacional, muito menos doméstico. 

Segundo o Ministério da Saúde, seriam apenas recomendações aos viajantes, visando reduzir a exposição à transmissão da doença. 

“No entanto, há que se dizer que o consumidor não tem amplo direito de arrependimento (desistência imotivada ou motivada por insuficientes razões jurídicas, como o temor de riscos exagerados eventualmente não existentes)”, informa a nota técnica da Secretaria Nacional do Consumidor.

Com viagem marcada para Porto Alegre nesta semana, a aposentada Maria Inês Castro, de 57 anos, precisou cancelar a ida por recomendação médica para o marido. “Ele é asmático e hipertenso, e nós não quisemos correr o risco. O médico dele aconselhou a não viajarmos”, explicou. 

Segundo ela, a companhia aérea afirmou que não segue uma cartilha de reembolso por conta da infecção dentro do país.

“A Gol nos disse que não tinha nenhuma indicação de cancelamento, a não ser para a Itália, e que não tinha nada para viagens no Brasil. Então, eu tive que cancelar dentro das regras da companhia mesmo, com reembolso só mesmo da taxa de embarque. Pensamos até em pedir um atestado médico dele, mas achamos melhor não mexer com isso.”

Apesar de não ter ido, Inez não cancelou a passagem de volta, que está prevista para a próxima segunda-feira, e ainda está pensando no que fazer. 

“Se tiver direito, vou reivindicar. Sei que diante da situação hoje não é o principal, mas, mais para frente, quando as coisas se acalmarem. A feira que meu marido ia participar a trabalho também foi cancelada por causa do coronavírus. Então, não teria nem por que irmos de qualquer forma. No Booking, no qual eu fiz a reserva da hospedagem, ainda não me responderam, mas, pelo menos, não se negaram e disseram que vão estudar a situação”, disse.

Hospedagens

Não são só as companhias aéreas que precisam lidar com as crescentes desistências, mas todos os fornecedores de serviços na viagem.

O Booking, que atua no setor de reservas de hospedagem, informou em nota que está oferecendo cancelamento gratuito ou modificação da reserva para pessoas viajando para as áreas mais afetadas. 

O Airbnb, plataforma que permite que pessoas ofereçam e busquem acomodações, anunciou o programa Reservas Mais Flexíveis para lidar com a emergência causada pelo surto de coronavírus. 

Segundo a empresa, um conjunto de ferramentas e programas foi desenvolvido para ajudar anfitriões e hóspedes a lidar com as incertezas, além de atender às necessidades dos clientes, de ambos os lados, de cancelar ou adiar planos de acomodação.

O estudante Luiz Fernando Braz, 22 anos, tinha viagem marcada para um festival em São Paulo, no primeiro fim de semana de abril, que foi suspenso pelas recomendações das organizações de saúde. 

Ele conseguiu de maneira descomplicada solicitar o reembolso total da hospedagem no aplicativo. “Eu pedi o cancelamento pelo Airbnb e vou receber de volta o valor integral. Até mesmo porque, na política deles, o cancelamento sem taxas pode ser feito em até 15 dias antes do check-in, e estava dentro desse prazo. Agora, com as passagens, não sei o que vou fazer. Não quero remarcar, quero meu dinheiro de volta, mas, sinceramente, não estou com muita esperança”, lamentou.

Segundo o professor de Direito do Consumidor do Centro Universitário Iesb, Igor Rodrigues, o Código de Defesa deve atribuir o risco da atividade para o fornecedor do serviço, por estar em vantagem econômica e considerando situações externas que não fazem parte da vontade de quem contratou a viagem. 

“É um momento difícil para as empresas do setor e pode gerar uma crise temporária, mas é inegável que não é o consumidor quem deve assumir esse prejuízo. As empresas precisam estar preparadas e serem solidárias, não deixando que as pessoas se submetam a esse risco e não espalhem ainda mais ainda a doença”, cobrou.

Embora defenda o ressarcimento integral, ele reconhece que há dificuldades devido à falta de determinação de restrição nacional. 

Há uma estrutura grande de órgãos de Defesa do Consumidor preparados receber essas reclamações. 

Em vários estados, o MP recomendou às grandes empresas de turismo, de cruzeiros e de transportes que atendam consumidores naquilo que pedem, seja no adiamento com o crédito para realizar a viagem em outro momento ou a devolução do valor pago.

Como procurar seus direitos

Para o caso de consumidores e empresas não chegarem a um acordo, mesmo após reclamações junto ao Procon ou à plataforma www.consumidor.gov.br, a alternativa nesses casos é judicializar a reclamação para tentar obter o ressarcimento.

O que dizem os operadores 

Empresas aéreas

» GOL – Nos voos internacionais marcados para até 12 de abril, a companhia oferece o cancelamento da viagem e mantém o valor em crédito para voos futuros. 

No caso de remarcação, pode ser feita para qualquer período no espaço de um ano, e a taxa de remarcação não será cobrada –– incidindo apenas a diferença entre as tarifas, se houver. 

Quem optar pelo reembolso, não haverá taxa de cancelamento. Contudo, a taxa de reembolso poderá ser cobrada, dependendo da regra da passagem adquirida.

» AZUL – A empresa está disponibilizando opções de remarcação de voos com origem ou destino em Lisboa ou no Porto, na América do Sul e nos Estados Unidos. A medida vale para clientes com passagens adquiridas para voos em março. 

As opções são de alteração da viagem – sem custo adicional, podendo adiar o voo para até 30 de junho de 2020 – e o cancelamento da viagem, deixando o valor como crédito para outros voos com a Azul, sem a aplicação de taxas por este cancelamento.

» LATAM – Em todos os voos internacionais, com novas reservas feitas entre 6 e 22 de março de 2020, a remarcação da data e/ou destino poderá ser realizada sem multa, mas sujeita a diferença tarifária. 

Será permitida alteração uma vez, válida para viagens até 31 de dezembro de 2020, e a mudança pode ser contratada em até 14 dias antes da partida do voo original. Os voos suspensos para Itália poderão ser remarcados ou reembolsados, sem nenhuma taxa. 

No caso de Israel, a remarcação também só fica sujeita à diferença tarifária. Nos demais destinos, os casos serão avaliados pontualmente.

» TAP – A companhia aumentou a flexibilidade para alteração de datas e destinos das viagens, e garante a garante a possibilidade de reagendamento do voo, sem o pagamento da taxa de alteração associada, em bilhetes emitidos entre os dias 08 e 31 de março de 2020 –– de acordo com um comunicado do grupo.

A alteração gratuita terá que ser solicitada com uma antecedência de 21 dias, em relação à da data do primeiro voo.

» AMERICAN AIRLINES – Está com diferentes condições para passageiros que tenham voos com partida, chegada ou conexão na Coreia do Sul, Hong Kong, China e Itália. Para cada país, uma regra. Para maiores informações, procurar a companhia.

» DELTA – Está com políticas especiais de remarcação ou cancelamento de voo para passageiros com destino a Xangai e Pequim, na China, além de Seul, na Coreia do Sul, e Itália (todos os destinos operados no país europeu) até 30 de abril. 

Os bilhetes poderão ser remarcados gratuitamente para outras datas até o fim de maio.

» UNITED AIRLINES  – Cancelou seus voos para China e Hong Kong. Quem tem voo marcado para Wuhan, o reembolso está sendo feito de forma gratuita, desde que o bilhete tenha sido comprado até 21 de janeiro deste ano. 

Para outros destinos na China, há opção de remarcação para uma data posterior. Também há políticas de remarcação para Coréia do Sul e norte da Itália.

Cruzeiros

  • * Segundo a recomendação do Ministério da Saúde, todos os cruzeiros turísticos devem ser adiados durante o período de emergência em saúde pública.

»COSTA CRUZEIROS – Está oferecendo o cancelamento gratuito e sem penalidade para as reservas novas e individuais feitas no período de 9 de março a 30 de abril.

O cancelamento é válido para as viagens internacionais, com embarques a partir de 1º de maio, e para todos os roteiros previstos na temporada 2021 pelo mundo, incluindo os pela América do Sul e as travessias Brasil-Itália pelos navios Costa Fascinosa, Costa Luminosa e Costa Pacifica.

»ROYAL CARIBBEAN – Permite que os hóspedes cancelem qualquer cruzeiro com partida até 31 de julho, até 48 horas úteis antes do embarque. 

O cliente recebe uma carta de crédito no valor da multa prevista no contrato, que pode ser utilizada em qualquer cruzeiro com partida em 2020 ou 2021. A medida vale até 31 de dezembro de 2021 para todos os portos em que se dê o embarque.

»MSC CRUZEIROS – Tornou mais rigorosa a triagem pré-embarque, incluindo a proibição de acesso aos navios para quem viajou por qualquer parte da Itália nos últimos 14 dias. 

A regra abrange também quem passou por aeroportos dessas regiões. Os clientes com reservas nos cruzeiros cancelados na Itália receberão um voucher no valor do seu cruzeiro atual, que poderá ser resgatado em qualquer viagem futura durante 2020 e 2021.

»UNIWORLD RIVER CRUISES E U-RIVER – Os clientes com viagem marcada a partir de 1º de maio terão a opção de cancelamento, até 30 dias antes da data de partida. 

As empresas informaram que irão reter apenas US$ 200 por pessoa, quantia que poderá ser utilizada em uma próxima viagem, em um prazo de até cinco anos.

»NORWEGIAN CRUISE LINE – Oferece 100% de crédito para quem cancelar o cruzeiro (até 30 de setembro) com apenas 48 horas de antecedência. 

Isto é: se você desistir de viajar porque ainda está com medo da Covid-19, poderá usar o crédito em qualquer outro cruzeiro da companhia até 31 de dezembro de 2022.

Hospedagem

»BOOKING – Está oferecendo cancelamento gratuito ou modificação da reserva para pessoas viajando para as áreas mais afetadas. “Estamos monitorando de perto os acontecimentos, inclusive os anúncios da Organização Mundial da Saúde (OMS), dos governos e das autoridades locais relevantes, a fim de e apoiar as partes impactadas”, informaram em nota.

»AIRBNB – A plataforma incluiu a Itália na “Política de Causas de Força Maior”. Consumidores com hospedagens ao destino europeu, China continental e Coreia do Sul podem solicitar o cancelamento ou reembolso do serviço sem cobrança, respeitando as datas de reservas determinada pela empresa para cada localidade. 

Há ainda o programa “Reservas Mais Flexíveis”, um conjunto de ferramentas desenvolvidas para facilitar o cancelamento de hospedagens diante das recomendações de saúde. 

Os hóspedes também terão acesso a filtros de pesquisa que mostram a política de cancelamento mais adequada com o perfil de cada viajante (flexível, moderada ou severa), e as perspectivas atuais do coronavírus.

Além disso, os anfitriões terão acesso a novas ferramentas para autorizar reembolsos extras diretamente na plataforma.

Transporte rodoviário

»BUSER – A plataforma de fretamento colaborativo de viagens de ônibus assegura que ressarcirá integralmente idosos e pessoas com doenças crônicas. 

Ao cancelar viagens por motivo de segurança, garante aos usuários aviso antecipado e devolução integral do dinheiro. 

As viagens confirmadas estão sendo monitoradas, com orientação para as empresas que operam pela Buser de reforçarem a limpeza dos veículos. 

*Correio Braziliense


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