Cientistas testam protetor solar com antioxidante para prevenir câncer

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 6 de fevereiro de 2019 às 20:41
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:22
compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin

Em pacientes, uso da substância evitou lesões no DNA de células da pele causadas pela luz ultravioleta

Um estudo realizado pelo Instituto de
Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP) revelou que o uso
de antioxidantes é capaz de prevenir as consequências da exposição à luz
ultravioleta (UVA) do sol.

Os pesquisadores estudaram células de
pacientes com xeroderma pigmentoso variante (XP-V), uma doença genética rara, e
verificaram que a luz UVA provoca danos na capacidade de reparação das células,
que podem ser evitados quando tratados com antioxidante.

A descoberta abre a possibilidade de
desenvolver protetores solares capazes de prevenir lesões e o câncer de pele.

O paciente com xeroderma pigmentoso
apresenta deficiência no reparo das lesões do DNA causadas pela luz solar, o
que pode gerar mutações. Já no caso da XP Variante, outra manifestação da
doença, o defeito é na replicação do DNA contendo lesões.

O resultado, no entanto, é o mesmo:
os pacientes apresentam pele seca e extremamente sensível ao sol, além de terem
um risco duas mil vezes maior de desenvolver câncer de pele abaixo dos 20 anos.

Comandada pelo professor Carlos
Frederico Martins Menck, do Departamento de Microbiologia do ICB, a pesquisa
inovou ao analisar o efeito da luz UVA em células de pacientes com XP-V e em
células sem o defeito – até então, os cientistas estudavam os efeitos de UVB e
UVC. “UVC é completamente barrada pela camada de ozônio e apenas 5% de UVB
conseguem passar. Enquanto isso, 95% de UVA atingem a nossa superfície. Nesse
sentido, trabalhar com UVA nos aproxima de nossa realidade”, explica.

Lesões

Durante o estudo, os pesquisadores
descobriram que, de quatro a seis horas após a irradiação de UVA, as células
sofrem um processo oxidativo que inibe o reparo do DNA. “Esse efeito foi muito
mais grave nas células com o defeito XP-V. Embora tenham um sistema de reparo
normal, a luz UVA gera radicais de oxigênio capazes de inibir esse reparo, ou
seja, de impedir a remoção dos dímeros de pirimidina”, acrescenta.

Os dímeros de pirimidina são as
principais lesões provocadas pela radiação ultravioleta. Como tentativa de
solucionar o estresse oxidativo nas células, o pesquisador utilizou o
antioxidante N-acetilcisteína (NAC) para tratar células XP-V antes de
irradiá-las.

Com isso, descobriu-se que o
antioxidante funciona como um método de prevenção. “Quando tratamos as células
com antioxidante antes da irradiação, elas ficam mais preparadas para enfrentar
a oxidação”, aponta o professor. “Assim, as proteínas responsáveis pelo reparo
não são oxidadas e as células sofrem menos, de uma maneira geral”, diz.

Segundo Carlos Frederico Martins
Menck, a próxima etapa é testar os tipos de antioxidantes, verificar qual é
mais eficiente no tratamento dessas células e discutir a possibilidade de
produzir um protetor solar com a substância. “Acreditamos que o antioxidante
nos cremes solares poderá prevenir os danos na capacidade de reparação da
célula, prevenindo assim o câncer de pele em pacientes com XP-V e, por que não,
na população como um todo”, afirma.

Corrida pela cura

Pesquisadores da Faculdade de
Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP também estão testando,
em camundongos, uma técnica que associa corrente elétrica de baixa intensidade
a uma formulação contendo quimioterápicos nanoencapsulados para o tratamento de
câncer de pele.

Resultados preliminares do estudo
foram apresentados nos Estados Unidos, durante a Fapesp Week Nebraska-Texas,
organizada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)
em setembro. “Um dos desafios para esse tipo de tratamento tópico é fazer com
que o fármaco consiga atravessar o estrato córneo, a camada mais superficial da
pele, composta basicamente de células mortas. Essa é uma importante barreira do
tecido contra a entrada de microrganismos, mas também dificulta a penetração de
medicamentos”, explica Renata Fonseca Vianna Lopez, professora da FCFRP.

Aplicar uma corrente unidirecional de
baixa intensidade é uma das formas de fazer com que substâncias químicas
atravessem a pele, sendo empurradas até a circulação pelo campo elétrico. Essa
técnica é conhecida como iontoforese.

Outra pesquisa desenvolvida pelo
Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, em colaboração a Universidade
da Carolina do Norte (UNCC), em Charlotte, nos Estados Unidos, propõe a
associação de nanopartículas e de terapia fotodinâmica para o tratamento do
câncer de pele não-melanoma, com a expectativa de diminuir os efeitos
colaterais dos tratamentos convencionais.

O interesse do grupo da UNCC em
estabelecer uma parceria com o Grupo de Óptica do IFSC surgiu em razão dos
pesquisadores norte-americanos não terem expertise na área de óptica, mais
especificamente em terapia fotodinâmica. “Conheci o Grupo durante um congresso
em São Francisco, onde os pesquisadores do IFSC fizeram uma apresentação
interessante que envolvia a técnica. Entrei em contato com eles e estabelecemos
essa primeira parceria”, relembra Juan Vivero-Escoto, professor da universidade
norte-americana que tem estudado nanopartículas, com a finalidade de
utilizá-las juntamente com a substância fotossensibilizadora no tratamento de
câncer de pele não-melanoma, por meio da terapia fotodinâmica.

Prevenção e alerta

Pessoas com múltiplas pintas ou
sinais pelo corpo, feridas que não cicatrizam ou que apresentem lesões
pigmentadas nas palmas das mãos e plantas dos pés devem procurar o hospital
para o diagnóstico. O câncer de pele é o crescimento anormal e descontrolado
das células que compõem a pele.

A radiação ultravioleta é a principal
responsável pelo seu desenvolvimento. A doença é mais comum em pessoas de pele
clara, com mais de 40 anos. O surgimento está diretamente ligado à exposição
prolongada ao sol sem a proteção adequada. É o câncer mais frequente no Brasil
e corresponde a 30% de todos os tumores malignos registrados no País.

O câncer de pele tem formas de
prevenção que podem ser adotadas como um hábito. É essencial que se faça exame
dermatológico anual, adotando como parte da rotina de avaliação médica, além de
analisar as aparições pela pele. Mesmo a incidência ocorrendo em indivíduos de
pele clara e olho claro, a recomendação é para todos ficarem atentos. A
autoavaliação é importante, mas a procura de um especialista é indispensável.

Por disso, a Sociedade Brasileira de
Dermatologia trabalha na campanha “Dezembro Laranja” há, pelo menos, 20 anos.
organizada pela Sociedade Brasileira de Dermatologia. Todo fim de ano, são
organizados mutirões de atendimento para identificar possíveis casos e oferecer
exames de forma gratuita. O Hospital das Clínicas é um dos postos de
atendimento da campanha, entre muitos, em todo o País.

Os exames dermatológicos completos
analisam toda a extensão da pele. A médica Jade Cury Martins, dermatologista do
Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), explica
como e por qual motivo é realizada essa análise. “As palmas das mãos e as solas
dos pés podem ter pintas escondidas que o paciente nem viu e que, às vezes,
podem dar problema. O exame vai da ponta da cabeça à ponta do pé. A gente
examina a pele inteira”, destaca.

Há os casos de melanoma, mais graves
e raros, em que o autoexame é a Regra ABCDE. A doutora Jade Cury Martins
orienta como é a análise. “Tem que ver aquelas pintas marrons, escuras. Se ela
é assimétrica, onde eu divido ela em fatias e um pedaço não é igual ao outro,
se as bordas são irregulares, se ela tem múltiplas cores, se o diâmetro é mais
extenso e se ela está evoluindo. Nesse caso, eu tenho que procurar o
especialista antes de um ano”, explica.

O sol tem grande participação na
aparição do câncer de pele, por conta da radiação. Mas a dermatologista explica
que dá para aproveitar os raios solares, necessários para o corpo, de forma
propícia.

“Evitar os horários de radiação mais
intensa, entre 10 e 16 horas. Caso não dê para evitar, procure ficar na sombra
ou em guarda-sol. Além do filtro solar, que tem que ser aplicado diariamente
até nos dias nublados e reaplicado a cada duas horas, eu posso usar outras
medidas: chapéus de abas largas, óculos com filtro UV, roupas e o exame anual,
que é muito importante”, orienta.


+ Ciência