Cientistas de SP investigam relação entre estresse e atenção auditiva

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 1 de junho de 2019 às 13:52
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:35
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Equipes pesquisam perda momentânea da capacidade de perceber sons do ambiente em situações estressantes

Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em
colaboração com colegas da Oxford Brookes University, da Inglaterra, fizeram
uma descoberta que pode ajudar a compreender por que é comum a perda momentânea
da capacidade de perceber sons do ambiente em situações de estresse.

O estudo, que abre novas perspectivas para o
tratamento de distúrbios de atenção e de comunicação, teve apoio da Fundação de
Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo (Fapesp) e teve colaboração de
pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Faculdade de Medicina do
ABC.

O artigo de Viviane de Góes, Ana Cláudia Frizzo,
Fernando Oliveira, David Garner, Rodrigo Raimundo e Vitor Valenti (em inglês)
pode ser lido na revista Scientific Reports.

Percepção
auditiva

Segundo a pesquisa, publicada na revista Scientific Reports, a atividade cerebral relacionada à
atenção auditiva acompanha o ritmo do coração. Assim, a alteração na frequência
cardíaca induzida pelo estresse compromete a percepção auditiva. “Constatamos
que pequenos níveis de estresse já são capazes de alterar o ritmo do coração e,
dessa forma, comprometer a atenção auditiva”, explica Vitor Engrácia Valenti,
professor da Unesp de Marília e coordenador da pesquisa, à Agência Fapesp.

De acordo com o docente, estudos publicados nos últimos anos já
indicavam que estímulos auditivos são capazes de induzir flutuações da
frequência cardíaca e que o condutor dessas alterações é o nervo vago.

Esse nervo, que percorre grande parte do corpo, indo
do cérebro ao abdômen, desempenha funções motoras e sensoriais e diminui a
frequência cardíaca ao ser ativado. Além disso, o nervo participa da atividade
do sistema nervoso parassimpático – responsável, entre outras coisas, por
desacelerar os batimentos cardíacos.

Avaliações

Em análises prévias com animais, os cientistas
observaram que a atividade do nervo vago aumenta durante a estimulação auditiva
relaxante e ativa a expressão de uma proteína chamada c-Fos no córtex auditivo.

Essa constatação indicou uma associação entre o processamento do
som no córtex cerebral e o sistema nervoso parassimpático. “Não estava claro,
porém, a influência dos estímulos sonoros no controle da frequência cardíaca
pelo nervo vago e se há interação entre o controle do ritmo do coração e a
atividade cortical cerebral relacionada com a atenção auditiva em humanos”,
afirma Vitor Engrácia Valenti.

Para esclarecer essas dúvidas, os pesquisadores promoveram um
experimento com 49 mulheres em que a regulação do ritmo cardíaco foi submetida
a uma sobrecarga induzida por um teste de estresse leve.

O teste consistia em falar o maior número possível
de palavras em português que começassem com a letra A, sem repeti-las ou
usá-las no aumentativo ou diminutivo, em até 60 segundos.

O tempo foi limitado para que não houvesse
interferência do sistema nervoso simpático – que estimula ações de resposta a
situações de estresse, como a aceleração dos batimentos cardíacos, por meio dos
efeitos da adrenalina – e da liberação de cortisol na atividade cerebral das
voluntárias.

Atividade
cerebral

Foram avaliadas, antes e depois do teste, a
variabilidade da frequência cardíaca e a atividade cerebral das participantes
por meio de um exame conhecido como potencial evocado auditivo de longa
latência (P300).

A variabilidade da frequência cardíaca permite
mensurar o controle autonômico do ritmo cardíaco em níveis variados de
estresse. Já o potencial evocado auditivo de longa latência possibilita
analisar o nível de atenção auditiva a um estímulo sonoro por meio do
monitoramento da atividade do córtex pré-frontal e do córtex auditivo por
eletrodos colocados na região do osso frontal e na região das articulações dos
ossos parietal e frontal.

Os resultados dos testes indicaram que o pequeno
nível de estresse a que as voluntárias foram submetidas foi suficiente para
alterar o ritmo do coração, e que isso aconteceu paralelamente à atenuação da
atenção auditiva medida pelo potencial evocado auditivo de longa latência.

“Em uma situação de estresse, ao se respirar mais
lentamente, por exemplo, é possível ativar o sistema nervoso parassimpático e,
com isso, diminuir o ritmo do coração e melhorar a percepção da informação
auditiva”, explica o professor.

Perspectivas

Na avaliação do pesquisador, a descoberta abre novas
perspectivas para o tratamento de casos relacionados com distúrbios de atenção
e de comunicação com base na ativação do nervo vago por meio de estímulos
elétricos na região auricular para controlar o ritmo do coração.

Estudos que utilizam esse método, feitos por
pesquisadores do Departamento de Fonoaudiologia da Unesp de Marília com
crianças autistas, têm apresentado resultados promissores. “Os dados das
pesquisas mostraram que as crianças com autismo tiveram uma melhora
significativa dos sintomas por meio desse método de tratamento”, finaliza Vitor
Engrácia Valenti.


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