Brasileira ganha prêmio internacional por pesquisa sobre zika e Chagas

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 23 de março de 2018 às 00:59
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:38
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Rafaela Ferreira, professora da Universidade Federal de Minas Gerais, ganhou prêmio da Unesco

A pesquisadora
mineira Rafaela Ferreira, professora adjunta do Departamento de Bioquímica e
Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ganhou na última
quarta-feira, 21 de março, em Paris, um prêmio da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e Cultura (Unesco), que reconhece o trabalho de
mulheres cientistas que mais se destacaram no mundo em 2017.

Única representante da América Latina entre as 15 vencedoras do International
Rising Talents
(talentos internacionais em ascensão, numa tradução
livre), Rafaela recebeu uma premiação de 15 mil euros para dar continuidade a
uma pesquisa que busca desenvolver medicamentos para o tratamento do vírus da
Zika e da doença de Chagas.

A cientista ganhou, no ano passado, a versão brasileira dessa
premiação, o Para Mulheres na Ciência. 

Com esse reconhecimento, ela espera
obter mais apoio e visibilidade para o desenvolvimento da pesquisa.

“De um
ponto de vista mais prático, o problema que a gente tem é o alto investimento
necessário para desenvolver um medicamento, e que vai ficando cada vez caro
maior conforme o avanço do seu estágio do desenvolvimento”, explica.

Conhecidas
como doenças negligenciadas, o Chagas e a zika historicamente não atraem o
interesse da indústria farmacêutica. 

“O Chagas, por exemplo, foi descrito há
mais de 100 anos pelo cientista brasileiro Carlos Chagas e até hoje a indústria
simplesmente não investe muito nisso porque é uma doença que afeta países mais
pobres. É muito importante ter um esforço de instituições públicas para que a
gente possa avançar no desenvolvimento desses fármacos”, observa a
pesquisadora.

Gravidade

Apesar de ter recebido, em 2006, o selo da Organização Mundial
da Saúde que certifica o país como livre da transmissão do Chagas pela picada
do mosquito barbeiro (Triatoma infestans), a doença continua circulando no
Brasil por meio de outras formas de transmissão, especialmente a oral, que
ocorre na ingestão de alimentos triturados com o mosquito.

Isso acontece com o caldo de cana-de-açúcar e açaí, por exemplo,
que são triturados com o mosquito sem que as pessoas percebam. 

O barbeiro é o
vetor do Chagas, ele transmite para o corpo humano o protozoário Trypanosoma
cruzi
, que causa a doença.

Mesmo com o controle da ocorrência de novos casos em território
nacional, a magnitude da doença de Chagas no Brasil permanece relevante,
segundo o Ministério da Saúde.

Estudos recentes estimam que a infecção atinge de 1% a 2,4% da
população, o equivalente a 1,9 a 4,6 milhões de pessoas. 

A taxa de mortalidade
(entre 2014 e 2015) foi de 2,19 a cada 100 mil habitantes, de acordo com dados
do Datasus, do Ministério da Saúde.

Já a zika foi registrada pela primeira vez no Brasil em 2015. No ano seguinte,
houve um surto da doença – que também é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti
(o mesmo da dengue e da chikungunya) – com mais de 214 mil casos registrados, o
que deu uma taxa de 104,8 registros a cada 100 mil habitantes.

Bem menos letal que a dengue, cerca de 80% dos casos de zika são
benignos e as pessoas infectadas nem sequer descobrem a doença. 

O problema da
zika está relacionado à má-formação de fetos, causado pelo vírus em mulheres
grávidas infectadas. 

A síndrome, já reconhecida pela Organização Mundial da
Saúde (OMS), resultou em mais de 3.037 casos de microcefalia em bebês
registrados entre janeiro de 2015 e dezembro de 2017, segundo o boletim mais
recente do Ministério da Saúde, de janeiro deste ano.

Descobertas

Na pesquisa liderada pela cientista Rafaela Ferreira, o objetivo é descobrir
moléculas que sejam capazes de alterar a estrutura de funcionamento do
protozoário causador da doença de Chagas e do vírus que provoca a zika,
inibindo, assim, a ação desses agentes no corpo humano.

De acordo com a pesquisadora, já foram analisadas mais de 400
mil moléculas em complexos programas computacionais e algumas delas foram
identificadas como “promissoras”.

“Nosso trabalho aqui é o desenvolvimento de fármacos no seu estágio inicial,
que é a descoberta de moléculas promissoras. Depois disso, elas ainda precisam
ser avaliadas em modelos animais, passar por vários testes de segurança e,
finalmente, os ensaios clínicos, nos quais essas moléculas são avaliadas em
humanos para analisar eficácia e segurança do medicamento”, afirma a cientista.

No caso da zika, os inibidores sintéticos estão sendo preparados para testes futuros em células cerebrais (neurônios) dos bebês com microcefalia, para que possam degradar a ação do vírus e interromper os efeitos da doença.


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