Animal político

  • Língua Portuguesa
  • Publicado em 2 de abril de 2019 às 23:46
  • Modificado em 8 de abril de 2021 às 14:20
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(O Boca do Inferno – direto do zoológico)

“O homem é um animal político”, proclamou Aristóteles. Coitado do pobre filósofo, jamais imaginou que sua frase emblemática seria usada como argumento para a elaboração (é isso mesmo?) de redações encaixotadas e pilar de algumas ideias simplistas. O epiteto chique de “repertório” e, para ficar mais sofisticado, de “cultural” serviu para justificar o “decoreba” assassino do pensamento filosófico (filosofia – amor pela sabedoria).

Aristóteles acreditava que o homem só atingiria a felicidade em sociedade. Engraçado é que a sociedade prefere a infelicidade da guerra. A guerra é ocasionada pela falência da diplomacia, ou seja, a falência do discurso, da convivência harmoniosa. Mas, a desarmonia traz a felicidade para muita gente, senão o que seria dos vendedores e traficantes de armas e drogas. Por essa, Aristóteles não esperava. Estamos fadados, portanto, à infelicidade social. A palavra está falida, valem os emojs, os emotions. Um muque vale uma expressão, minion vale uma página. A diplomacia é a das fake News.

O gado, em linhas gerais, por não saber manipular o discurso, é apenas “animal”. O dono do gado, “o político”, sabe manipular, escravizá-lo. Se não sabe, compra alguém que saiba. A felicidade não será jamais “política”, tal o sentido pejorativo que a palavra e a pessoa que se abriga sob seu guarda-chuva adquiriram. Seria uma balada, se não fosse um balaço: a infelicidade é atingida pela vida em sociedade. Ah! Aristóteles!

Não é possível ser feliz, quando alguém “poderoso” disse que não disse o que disse: “Ninguém quer uma guerra. Guerra é ruim porque haverá perda de vidas. Há consequências colaterais. Mas não creio que Maduro vá sair do poder de uma forma pacífica. De alguma maneira, em alguma hora, em alguma medida, será necessário o uso da força porque Maduro é um criminoso.” Depois de Aristóteles virar no túmulo, Jair Bolsonaro, que vive um embate inglório com a língua portuguesa, tal qual os dois últimos presidentes, pespegou: “Tem gente divagando sobre isso. De nossa parte não existe essa possibilidade.” Aristóteles desvirou? Não creu?

Tite, animal técnico político, filósofo do ludopédio, resolveu dar uma de juiz do STF e soltou um “tapiazol com embromazil”, que pareciam impropérios, para explicar o que todo mundo já virá: o Brasil empatou com o Panamá por 1 a 1(número 76 do ranking da Fifa). Medroso, Tite soltou termos na entrevista coletiva, que driblaram o “senso” e a compreensão, como: “performar o resultado”, “extremos desequilibrantes” e “lastro físico”. O jornalista Raphael Rezende do SporTV e Alex Escobar dos multicanais multinacionais Globo entraram em pugilato verbal. Raphael Rezende prefere o barroquismo titiano; Escobar, o simplismo muriciano. O gado indignado esperava que o Brasil ganhasse em Praga da Tcheca. Aristóteles assim veria sua tese prosperar, a felicidade atingida pelo povão suado no circo, com facções prontas para se engalfinhar, assim que o arbitro marcar o primeiro pênalti mal marcado, depois desmarcado pelo VAR.

“Primeiro, eu queria te dizer que eu tenho muito respeito pelo ET de Varginha. E eu sei que aqui, quem não viu conhece alguém que viu, ou tem alguém na família que viu, mas de qualquer jeito eu começo dizendo que esse respeito pelo ET de Varginha está garantido” destrambelhou Dilma Rousseff. A felicidade foi atingida pela oposição e por mim que estou dedilhando esse texto. A língua portuguesa é, realmente, o maior instrumento de dominação de um povo que nunca foi “desasnado”, mas é feliz justamente pela sua ignorância, nunca conheceu metáforas surtadas, fala em uma língua e escreve em outra. Na frase “O homem é um animal político” há metáfora, ambiguidade e ironia política e duas certezas.

Esse texto destrambelhado, que misturou Aristóteles, com Dilma, 01, Bolsonaro, Raphael, Escobar, Tite, Murici, ET de Varginha e Dilma Rousseff é um primor da filosofia aristotélica. Se você não entendeu nada, não riu, não se preocupe, perdeu um tempo menor do que quem o escreveu. A língua portuguesa é um tremendo instrumento de enrolação. É sustentáculo do político que desfala o que tinha falado, para fingir que dá de comer ao animal. Coitado do Aristóteles, vítima da língua, instrumento social malvado, ora amiga da felicidade, ora inimiga, ora indiferente a ela. Inclusive, nem consegue defini-la. 


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