Afinidade entre amigos pode ser explicada pelo DNA, aponta estudos

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 31 de julho de 2018 às 01:40
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:54
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Raízes da amizade podem ser mais profundas do que a simples busca por pessoas para relações estreitas

Durante muito tempo,
cientistas reconheceram que amizades tendem a se formar com base em escolhas de
pessoas que têm características em comum. Costuma-se optar por ser amiga ou
amigo de quem tem idade, etnia, classe, nível educacional, aparência e até
mesmo um aperto de mão parecidos com os próprios.

A prevalência da homofilia – tendência de fazer amizade
com pessoas com quem se tenha a maior semelhança demográfica possível – já foi
observada em várias comunidades no mundo inteiro, seja antigo ou moderno.
Historicamente, os seres humanos sempre tenderam a formar relações próximas com
pessoas que não lhes parecem tão estranhas.

Há mais de dois mil anos, Platão comentou em seu diálogo
Fedro que a “similaridade gera amizade”. E Aristóteles escreveu que
“alguns a definem como uma questão de semelhança; dizem que amamos aqueles
que são como nós: daí os provérbios ‘o igual encontra seu igual’ e ‘pássaros da
mesma plumagem voam juntos’.”

No entanto, de acordo com um
número crescente de pesquisas, você e seus amigos podem não apenas gostar da
mesma comida e dos mesmos memes na internet, ser da mesma altura ou da mesma
idade. Pesquisas recentes sugerem que o sinal de uma forte amizade também pode
ser encontrado no DNA humano.

Segundo um estudo publicado na revista acadêmica
Proceedings of the National Academy of Sciences, publicação oficial da Academia
Nacional de Ciências dos Estados Unidos, semelhanças entre amigos podem ser
observadas no plano genético. “As pessoas encontram afinidades com outras
que têm os mesmos fenótipos – o que se traduz em comportamentos, altura, índice
de massa corporal, condições de saúde e vícios – e isso tende a nos classificar
geneticamente”, diz Dalton Conley, um dos autores do estudo.

Características genéticas

Pesquisadores
das universidades Stanford, Duke e de Wisconsin realizaram uma série de
comparações genéticas em 5.500 adolescentes e descobriram que pares de amigos
tinham nitidamente mais semelhanças genéticas do que aqueles que não eram
amigos.

Conley explica que a pesquisa
foi importante para estabelecer se as características similares costumavam ser
pré-existentes em amigos ou se se tratava de um caso de seres humanos sendo
altamente influenciados uns pelos outros. “Quando vemos crianças que são
parecidas se agrupando, não dá para saber realmente – à parte desse estudo – se
é porque elas se influenciam mutuamente ou se apenas selecionamos uns aos
outros como amigos porque os dois têm esses traços”, pondera. “Os
genes fornecem uma boa medida para nos questionarmos sobre o quanto, em termos
de seleção, acontece no plano genético. As pessoas se influenciam mutuamente
através da pressão dos pares – por exemplo, se você fuma, eu fumo, ou se você
estuda muito, eu também estudo muito – ou escolhermos nossos amigos porque já
compartilhamos desses valores?”, pergunta o professor.

A genética semelhante entre
amigos não é um indicador de “algo mágico acontecendo no plano
molecular” que nos obriga a fazer amizade com certas pessoas, continua
Conley. As pessoas enxergam essa semelhança genética quando selecionam seu
círculo de amizades pelo fato de “comportamentos complexos que tendemos a
usar para nos classificar” – como retidão, disposição para arriscar e
vícios, por exemplo – terem uma base genética.

Cérebros parecidos

Pessoas que são amigas não
apresentam apenas similaridades genéticas: cientistas descobriram que os cérebros
de amigos também reagem de forma notavelmente parecida.

Um estudo de neurociência publicado na revista Nature
Communications examinou a atividade neural de 42 pessoas que assistiram a
vídeos curtos e descobriu que, quanto mais próximos os amigos, mais parecidas
são as respostas neurais das pessoas.

Os clipes variavam em termos de conteúdo, que ia de
comédia e música a política e espaço – apresentando, entre outros, um vídeo de
um casamento gay judaico, um clipe sobre o comportamento da água no espaço e um
documentário satírico australiano.

Os estudiosos repararam que
pessoas com relações sociais próximas tendiam a ficar animadas, enfurecidas,
entediadas, envolvidas e excitadas nos mesmos momentos, mesmo depois de se
monitorarem fatores que poderiam aumentar respostas parecidas, como idade,
gênero, nacionalidade e etnia.

A congruência nos padrões de resposta foi tão forte que
os pesquisadores descobriram que poderiam prever o grau da relação entre duas
pessoas apenas analisando como seus cérebros reagiam durante os vídeos. “O
resultado é surpreendente. Ele sugere que o próprio circuito neural do cérebro
é condicionado – e achamos que, com o tempo, fica cada vez mais condicionado –
a encorajar a homofilia”, disse outro autor do estudo, Adam Kleinbaum. “E
esse resultado, juntamente com outros estudos, sugere que as redes de relações
sociais são tão fundamentais para a sobrevivência do ser humano que a evolução
chegou a selecionar uma habilidade de reconhecer a nossa posição nessas redes e
favorecer conexões com a nossa própria ‘tribo'”, apontou.

Afinal, a descoberta explica
por que seres humanos tendem a formar vínculos emocionais estreitos com os
membros de um grupo parecido ou é apenas mais um exemplo da grande quantidade
de semelhanças que amigos parecem dividir uns com os outros? Segundo Kleinbaum,
são “as duas coisas”. “A semelhança neural explica alguns dos
efeitos da semelhança demográfica – não surpreende que pessoas da mesma raça,
gênero ou nacionalidade tenham mais tendência de pensar da mesma maneira –, mas
também demonstra um efeito independente acima e além deste”, diz o
pesquisador.

Diz a sabedoria popular que
“amigos são a família que escolhemos”, e os estudos recentes indicam
que o ditado pode ter mais profundidade do que se pensava.


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