A construção acadêmica do Direito no Brasil:

  • OAB Franca
  • Publicado em 22 de março de 2019 às 12:40
  • Modificado em 8 de abril de 2021 às 14:26
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Como os bacharéis sustentaram o Império luso

​”A elite era uma ilha de letrados, num mar de analfabetos”[1], explicava José Murilo de Carvalho, fazendo referência à educação superior como importante instrumento ideológico – e, sobretudo, político – da elite imperial brasileira. Pode-se afirmar que três são os motivos pelos quais a citada assertiva se faz verdadeira: em primeiro lugar, a maior parte da elite era letrada, ao passo que, no âmbito da escravidão, o analfabetismo se fazia presente quase que em sua totalidade, representando 99% (noventa e nove por cento) da população escravizada; a educação era eminentemente jurídica; e, por fim, a grande concentração de bacharéis estava em Portugal, especificamente em Coimbra.

Ainda nos primórdios da colonização, os primeiros traços do ensino jurídico no Brasil já se externavam, logo que os padres jesuítas passaram a obrigar a frequência de alunos afins aos seminários e outras instituições religiosas às aulas de “leis e cânones”, que, na matrícula de curso superior em 1772 contava com o maior número de alunos em relação às outras disciplinas, que se concentravam no ensino religioso e filosófico (teologia e filosofia) e nas ciências naturais (biologia e medicina), tendo aproximadamente 360 (trezentos e sessenta alunos), número esse que praticamente dobrou dentro de um ano[2]. Por outro lado, não apenas o ensino jurídico, mas também o medicinal e o de engenharia – chamadas por Edmundo Coelho de “profissões imperiais”[3] –, compuseram formas de recuperar a prosperidade econômica e o prestígio social dos lusitanos, arrasados pela ameaça ao ciclo do ouro e pelas flutuações no preço do açúcar.

Fato que também envolve o desenvolvimento do direito e das outras profissões imperiais no Brasil é o fato de que elas se formaram e se desenvolveram a partir da profunda dimensão institucional que tais profissões demonstravam ao tempo do império luso nos solos nacionais: para os médicos havia a Academia Imperial de Medicina; para os engenheiros, o Instituto Polytechnico Brasileiro; e para os advogados, o Instituto dos Advogados Brasileiros.

Mais tarde,a instalação dos cursos superiores no Brasil imperial ocorreu graças à vinda da Família Real portuguesa em 1808, o que colaborou diretamente para a fundação das Escolas de Direito em São Paulo e Olinda, esta posteriormente removida para Recife. Logo, a formação da futura “república dos bacharéis” tinha sido iniciada a partir de então e a construção social da elite política da época guardou estritas relações com o ensino jurídico, haja vista que os curso de direito foram criados “in terra brasilis” às margens do ensino coimbrã, com extensas mudanças que agradavam as necessidades político-institucionais do Império, produzindo não apenas juristas de peso, mas também advogados, senadores, diplomadas e dirigentes dos mais altos cargos do Estado.

Em que pese a onda excludente dos “práticos” da época, que, sem deterem qualquer diploma de ensino superior, praticavam livremente a profissão diante da incapaz fiscalização estatal nesse sentido, é impossível pensar o século XIX no Brasil sem também imaginar o funcionamento do Estado ainda luso conduzido pelos bacharéis em direito, responsáveis sobretudo pelos instrumentos da concorda cívica.


[1] Cf. CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2008. p. 63-67.

[2] Idem.

[3] Cf. COELHO, Edmundo Campos. Profissões imperiais: medicina, engenharia e advocacia no Rio de Janeiro. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 1999.

Por André Luiz Pereira Spinieli*

* Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Franca/SP. E-mail: [email protected]

*Esta coluna é semanal e atualizada às quartas-feiras.​  


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