Nove segredos do cérebro revelados em livro por uma neurocientista brasileira

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 23 de maio de 2020 às 16:52
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 20:45
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Suzana Herculano-Houzel, autora de O cérebro nosso de cada dia, aponta verdades e mentiras sobre este órgão

A neurocientista Suzana Herculano-Houzel, autora de O cérebro nosso de cada dia

Por que cócegas só funcionam quando a gente faz nos outros e não em nós mesmos? Qual a razão para o bocejo ser contagiante? E os sonhos, por que somem tão rapidamente da memória? 

A neurocientista Suzana Herculano-Houzel, autora de O cérebro nosso de cada dia, aponta verdades e mentiras sobre este órgão ainda não totalmente compreendido pela ciência.

É verdade que só usamos 10% do cérebro?

Não. Isso é puro folclore. Usamos 100% dele. Mas podemos desenvolver todos os dias nossas habilidades porque o sistema nervoso é capaz de fazer novas combinações entre seus elementos e mudar a eficiência das conexões – as sinapses.

Perdemos neurônios com a idade?

Sim, perdemos. Dos 20 aos 90 anos, perdem-se, em média, 10% dos neurônios corticais e o cérebro fica menor e mais leve. Como a perda é gradual, são cerca de 85 mil neurônios a menos por dia. 

No entanto, a quantidade de neurônios não determina a habilidade intelectual de ninguém. 

Fatores como a destruição das conexões entre os neurônios e a perda de neurônios em pequenas estruturas específicas do cérebro são muito mais importantes para explicar a deterioração das capacidades mentais.

Os homens são mais inteligentes?

Mesmo os homens tendo 23 bilhões de neurônios contra os 19 bilhões das mulheres, não são mais inteligentes. 

Vários homens que se destacaram na história por sua inteligência tinham cérebros pequenos, presumivelmente com menos neurônios do que a média. 

Não é o número de neurônios que importa; possuir as conexões corretas entre eles é muito mais importante.

A dor é psicológica? 

Se você acreditar de fato que não vai doer, quase não dói mesmo. Um estudo recente de um grupo italiano mostra que o cérebro trata de se enganar: produz sua própria “morfina” para anestesiar aquela parte que vai sofrer o ataque e preserva a sensibilidade das demais áreas. A “morfina” produzida pelo cérebro é um opioide, como a heroína, e chama-se endorfina.

Coçar ajuda a passar a coceira? 

Ajuda. Isso não significa que a toxina desaparecerá se você coçar ou que a inflamação acabe ou a ferida feche. Coçar demais machuca e com isso acaba a coceira, pois faz com que predomine a sensação de dor. 

Até cinco anos atrás, acreditava-se que a coceira seria apenas uma forma fraca de dor. Mas já se descobriu que a pele tem receptores que respondem, especificamente, ao que dá coceira e por isso ela vem ganhando status de sensação, como o frio e o calor. 

Só que os “neurônios da coceira”, ao contrário dos demais neurônios, só funcionam quando são expostos a algum irritante.

Cócegas só funcionam feitas pelos outros?

Não adianta pegar uma pena e ficar horas fazendo cócegas em si mesmo. O cérebro bloqueia as sensações auto-infligidas. 

Para toda ordem de execução de um movimento dada, há uma “cópia” circulando que informa às outras partes do cérebro a existência de uma ordem em execução. Mas a cópia do comando-motor também prevê as sensações auto-provocadas e as suprime. 

Se não, sentiríamos o tempo todo a língua se mexendo na boca ao falarmos, o sapato roçando nos pés a cada passo… O que detecta se a ordem vem de fora ou se é sugestionada é o cerebelo, a porção mais posterior do cérebro, logo acima da nuca.

Por que existem pessoas canhotas?

Se não houvesse preferência, os dois lados do corpo, igualmente capazes, poderiam entrar em disputa na hora de fazer qualquer movimento. A preferência automática resolve esse problema. 

Nos animais, a divisão entre destros e canhotos é mais democrática: 50% dos ratos preferem a perna esquerda enquanto a outra metade prefere a direita. Mas por que 90% dos humanos usam o lado direito? 

Ainda não se tem certeza, mas para esta resposta devem ser considerados fatores como genética, hormônios, influência sociocultural, fatores mecânicos, entre outros.

Basta você bocejar para que todos o imitem?

Basta. Uma pessoa é suficiente. No que concerne aos bocejos, somos verdadeiros macacos de imitação. 

Esse fato é consequência de uma característica fundamental do cérebro: quando observamos uma ação ou imaginamos ações ou objetos, ele ativa exatamente os mesmos circuitos utilizados quando realizamos nós mesmos aquela ação. 

Mas por que só imitamos o bocejo e não saímos por aí fazendo tudo igual aos outros? Porque existem poderosos sistemas que impedem que o comando final seja dado ao cérebro e que não funcionam no caso do bocejo. 

É provável que os circuitos que governam esse reflexo não sofram o mesmo controle inibitório.

Por que nos esquecemos dos sonhos?

No cérebro há vários sistemas que regulam o sono, o sonho e a vigília. Cada um deles inunda o cérebro com uma substância diferente. 

Quando estamos acordados, dois sistemas despejam acetilcolina e noradrenalina no cérebro. Adormecidos, eles são menos ativos. 

Quando estamos sonhando, a noradrenalina deixa de inundar o cérebro e outro sistema despeja serotonina na medula espinhal, impedindo que os neurônios que comandam os músculos transmitam os movimentos sonhados.

Nossa memória ainda funciona durante os sonhos, porém a acetilcolina presente no cérebro nesses momentos permite apenas memórias de curto prazo. 

Para que a memória seja duradoura é preciso que também haja noradrenalina circulando, o que só acontece no cérebro acordado. 

Por isso, ficar “repassando” o sonho naqueles últimos momentos em que você está acordando, quando a noradrenalina no cérebro volta a ser suficiente, permite que o fim do sonho seja memorizado.


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